QUEM TEM UM SONHO NÃO DANÇA!


1986, eu ficava a tarde inteira perdido entre sonhos e a Arabele, sempre desejando criar uma fita cassete com as músicas, as difíceis músicas que gostava. O mundo inteiro era uma bagunça só, guerra fria, plano cruzado, inflação, militares… e de positivo só o rock nacional e uma tal geração saúde. Entre 86/87 eu tinha entre nove a dez anos. E como toda criança sonha eu também sonhava, eu ficava vestido de Ramones, no corredor da escola, perna cruzada uma no chão, outra na parede, estalando os dedos e cantarolando: - Ela não gosta de mim, mas é por que eu sou pobre… O futuro para todo e qualquer alienado como eu seria algo perto dos sonhos mais indiscutíveis, desde a conquista do espaço a ir tocar guitarra na TV. Eu queria ter uma banda de rock, um power trio, tinha até nome para o meu power new wave/romantic trio, era “Os Náufragos da Pirataria” e tinha uma música que tocava no rádio que dizia quem tem um sonho não dança.



A vida tem dessas coisas de ser rolo compressor sobre toda poesia almejada com tanto carinho pela gente. Em menos de dois anos ela virou e me trouxe até o Bom Jardim, uma espécie de perto, longe demais de tudo, onde tudo era diferente. Galera diferente, amigos não tinha, não havia nem ambiente para rock, nada mesmo. Tudo tinha que ser criado, tinha que surgir um Malcolm MacLaren para dar o passo inicial, tinha que ser punk, pois punk é a cara desse local tão cheio de nenhumas belezas à primeira vista, tão mal falado com tanta maldade desproporcional que chega a dá espanto garantido.

É na adolescência que você descobre suas principais fraquezas e tem dois caminhos, ou você enfrenta o monstro, ou ele te devora sem dor nem piedade, daquilo que você é e a sociedade te nega impondo regras, controles, correntes e cruzes. Eu sou rockeiro e só, não há nenhuma outra hipótese que eu considere mais, então é fazer acontecer e nada mais, parece fácil dito assim, mas só eu sei as esquinas e pessoas em que barrei. Nem todo amor a causa, nem toda honra pelo caminho vão lhe livrar da condição econômica, da covardia e da tentativa de aliciamento mental fisiológico de umas merdas ideológicas vendidas como verdades absolutas. Tudo isso foi se transformando em angústia, estudo, derrota, abandono, medo, perda, falta de amor… entre outras coisas. Mas o romântico não desiste dos sonhos, ele batalha como um kamikase cegamente, e o que antes fora “Os Náufragos da Pirataria” virou “Motivo de Anarquia” e depois “Em Si” (Quem tem um sonho não dança!)



Sonhos e amigos são dádivas do criador e anjos existem até os que transam, bebem e não tem assas. Seriamos anjos do inferno? O inferno é aqui? Ser artista era sonho meu, do Novinho e do Thesco simultaneamente, um sonho orgânico, cheio de encantos e pureza, não interessava mesmo ser destaque, e sim poder ser galera, turma da pracinha, sem violência só amizade. Mas na verdade eramos ninguém no bairro onde o ambiente era gangues e pichações. Criando times de marginais e drogados brigando entre si pra ver quem é o mais otário. Eu estava perto fisicamente disso e ano-luz distante no meu entender das coisas. Talvez isso seria a única diferença realmente verdadeira entre eu o Thesco e Novinho. Eu nunca fui pichador, cheira cola, nem de gangue de otário, mesmo na tropa do mal eu era o cara da música, um panaca para geral e Menudo para os punks. A igreja católica foi a saída emergencial para toda essa horda, tinha gente inteligente, muita menina bonita e sonhos de comunidade em construção urgente. Eu não nego a teologia da libertação na minha formação moral, pelo contrário, tenho até orgulho disso. Vivi todo essa primeira adolescência com um pé na vida, outro na escola. Ou seja, entre a realidade e possibilidade.



1995, Eu e o Alexandre na escola encontramos uma fagulha chamada amizade, três messes separam nossa chegada a terra, o que implica dizer que somos disso que se chama mesma geração, e mais ainda existia toda uma carga de sofrimento perene e tão intensamente igualitário que dali em diante um se torna influencia positiva na vida do outro. Quando o Novinho meio que desistiu do lance da banda Motivo de Anarquia, “Não se entendia punk” a gente ia passar a ser Em si, e eu convidei o Alexandre, que era o batuqueiro mas foda das batucadas Rock da sala de aula no recreio, para ser o batera da banda. O power romantic trio seria Thesco Guitarra, eu Baixo, Alex Bateria. Isso até aconteceu mas só 11 anos depois dessa primeira tentativa. Entre esse período houve a Em Si com Neto, Eu, Thesco, Cleiton e Everardo, o Novinho foi assassinado, e cheguei ao fundo do poço, briguei com pai e mãe, fui praticamente morar no partido, criamos o Movimento não Violência, e a Cooperativa Underground “CUNDER” a partir dali. Ainda não havia ambiente para rock aqui, pior, era os anos 90, sertanejo e pagode mauriçola, gentes sendo enganadas e besta ao mesmo tempo, o país uma verdadeira merda “como sempre foi” e lá estava a gente se juntando de novo, pra fazer a cooperativa e sustentar o movimento sem ajuda institucional. Não queríamos ser do time dos baba-ovo de politico nenhum. E nesse momento, voltando pra casa, destruído até a vértebra, momentaneamente em um cargo público (mero engano do tempo) na polícia, ou seja, antagônico na cabeça dos paus no rabo geral, eu convido o Alexandre para refazer a Em Si power trio (projeto de vida) novamente, e novamente aconteceu.



O Alexandre e o Thesco já eram casados, com responsabilidades e filhas para criar. O Alex recém-entrando na faculdade, e eu alcoólico, solteiro e um troço. Lembro que todo mundo me disse não, não vai dá certo, desista, esqueça, você já tem um emprego, estude para crescer nele. Família principalmente, minha vida quase inteira foi eu contra o mundo, só não contra, minha tia madrinha Luíza e para o Thesco, o Alexandre e a Dalva. A chegada do Alexandre no meu projeto de vida foi o principal e quase único acerto, foi ele quem me chamou atenção dizendo cabeça! Não é assim o caminho, o caminho é outro, é um caminho de retidão total; família, fé, emprego e muito trabalho. Nada vem de graça para quem é do Bom Jardim, qualquer pequena conquista para um pequeno burgues para nós tem sabor de vida, é como naquele filme: Retroceder nunca, Desistir jamais. Nesse processo extremamente doloroso o Thesco foi embora, mas nós nunca deixamos ele de fora pela importância que ele tem, talvez ele nem dimensione o quanto de amor há nessa amizade nossa. Surge a The Good Garden, “QUEM TEM UM SONHO NÃO DANÇA” já havia um circuito alternativo auto criado para tocar, a cidade já tinha rock na P.I e em outras periferias, ou seja, já era minimamente possível existir. A The Good Garden começou comigo, com Alexandre e o Mário, mas é um projeto meu e do Alexandre. O que ninguém entende quando vê as loucuras que fazemos, tipo contratar artista nacional sem nenhum puto no bolso, ou entregar a frente total da casa pra criar um Pub (Toca Good Garden) abandonar família e emprego para sair viajando tocando rock pelo Brasil, comprar outra casa e transformar a sua casa própria em um laboratório do futuro para economia criativa do Rock… é que The Good Garden não é uma banda, é um projeto de vida, anarquista, auto sustentável e tudo mais. Uma banda comunitária sócio criativa presente e não fisiológica, que acredita no projeto coletivo de felicidade pelo trabalho e ciência. Todas nossas conquistas são nada ainda hoje aparentemente para os produtores de cultura do Ceará, pequenas idiossincrasias de meninos do subúrbio. Mas o que vale é que já não temos 15 anos há tempos, na verdade temos 40, sacou? Quem tem um sonho não dança mesmo velho!



E é como se tudo estivesse começando agora em 2018.

Existir/resistir.











Georgiano de Castro
So Soul Marie.

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